plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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Pãodemia

Juliana Petermann 
Professora universitária


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Com o perdão do trocadilho, minha intenção não é, de maneira nenhuma, brincar com coisa séria, mas esse trocadilho é inevitável: estava quicando relacionar a onda de feitura de pão caseiro com o nome que designa o grave problema sanitário que estamos vivendo. Como diz Celso Figueiredo, trocadilhos são deliciosamente controversos: embora amplamente utilizados na publicidade e no cotidiano, são vistos como um recurso de humor um tanto banal. No caso deste título, demarca apenas a singeleza de uma brincadeira inofensiva nos tempos tão brutais que vivemos.

Dá um Google

Pão caseiro, Pão caseiro simples, Pão caseiro integral, Pão caseiro de leite, Pão caseiro doce: de acordo com matéria do El País, nos últimos tempos, as principais pesquisas que os brasileiros têm feito no Google estão relacionadas a como fazer pão. Mas porque acompanhamos este fenômeno? Quais os seus ingredientes? Qual a receita?

I Receita de Pãodemia

Ingredientes: junte um contexto de pandemia com a necessidade de isolamento social. Na mesma mistura, considere um cenário de crise econômica, social e política. Temos aí a base para uma grande sensação de desamparo. Acrescente pitadas de tendências de consumo como a valorização do modo artesanal de fazer comida. Por último, adicione a crescente propensão ao consumo de alimentos frescos e orgânicos.

Sove bem: Sove até atingir uma sensação homogênea fruto da mistura de todos os ingredientes e da confusão temporal derivada do isolamento social. Os dias são iguais e se arrastam, enquanto que os meses passam voando. É estranho, no mínimo, mas faz parte da receita.

Deixe crescer: (Atenção: neste momento verifique a consistência do seu tempo. Ele deve apresentar a elasticidade necessária. Perceba se estica, a ponto de considerar que é possível fazer pão mesmo com a pilha de louça, que se confunde com a pilha de tarefas do homeoffice e com a pilha de atividades da escola das crianças). Embora pareça difícil, esta receita resulta em uma porção generosa de cuidado com a gente e com quem amamos, adequada para acompanhar esse momento de vulnerabilidade.

Coloque no forno: Aqueça o cenário de "pãodemia" com outras tendências como o Confort food, que relaciona a alimentação às emoções e às boas memórias, ou como o Mood food, que relaciona comida e ânimo. Por fim, doure com a felicidade de ter aprendido algo novo durante a quarentena. Sirva acompanhado de uma saudade danada de sair, sem medo e sem máscara, para buscar um cacetinho quentinho na padaria da esquina.

Parece mentira, mas não é

Eni Celidonio 
Professora universitária


style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Fabio Porchat tem um programa em que, no final, faz algumas perguntas aos convidados, entre elas, "que loucura você fez na adolescência?". Todos, eu disse TODOS, se mexerem na memória, vão encontrar uma.

Pois senhores, eu tenho uma loucura louquíssima lá nos idos de 1968.

Estava no primeiro ano clássico do Colégio Pedro II - Externato - Sede, lá na Marechal Floriano, antiga Rua Larga, no Rio de Janeiro (RJ). Mês de novembro, final de novembro, pra ser mais exata. Lembrando que havia aula no sábado, para ser mais exata ainda... Bem na frente do colégio havia uma loja de produtos veterinários e, como era fim de ano, resolveu-se o seguinte: primeiro e segundo ginasial e o científico ficariam à esquerda da avenida; terceiro e quarto ginasial e clássico, à direita.

Eis que começa uma guerra de alpiste e ovos, voavam ovos, a gente se lambuzava e o alpiste grudava na gente como se fosse confete! Era um carnaval, a gente se divertia, ria muito... Mas não sei se vocês lembram: era 1968.

De repente, não mais que de repente, surgiu um daqueles caminhões azuis, com bancos na caçamba e dele saltaram os terrores da época: os que chamávamos "armário embutido", os terríveis PA. Eles já saltavam de cassetete na mão e o melhor a fazer era correr. Tínhamos a vantagem da idade, mas correr pra onde? E ouvimos então a voz do Nóia, um colega do 3º científico: "Me segue aí, gente!" e saiu correndo, e nós todos, num tumulto absurdo, atrás.

I no exterior, em pleno rio de janeiro

Chegamos à Praça Mauá, invadimos o Cais do Porto e demos de cara com um porta-aviões francês, o Clemenceau. Nóia, ainda comandando o exército de Branca Leone, gritou: "vamos invadir o navio! Isso é território francês! A PA não vai poder entrar! Bora!". E lá fomos nós para o Exterior, em pleno Rio de Janeiro.

Já dentro do Clemenceau, depois de conseguirmos um militar que se responsabilizasse por grupos de vinte alunos, ficamos lá do alto observando aqueles azuizinhos parados, sem poder fazer nada. E nós fazíamos o quê? Gritávamos "Vêm, samangos! Subam aqui! Cadê a 'otoridade'?"!

Ficamos lá até às duas e meia da manhã, quando sentimos segurança para descer. Cheguei em casa mais de três da manhã. Meu pai já tinha ligado pra hospital, necrotério e quejandas. Eu, cheia de ovo e alpiste, contei tudo como havia se passado. Minha mãe louca pra me dar umas chineladas, minha tia só repetia "Que perigo, meu Deus!" e meu pai caiu na gargalhada. Na época, não entendi. Hoje, lembrando da situação, entendo perfeitamente as gargalhadas dele: um bando de pirralhos, de uniforme azul e branco, dando um baile nos soldados da aeronáutica, em pleno ano da graça de 1968!

O Clemenceau foi desmontado e reciclado em 2009; quanto ao Ginásio, Clássico e Científico...

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